Sophia de Mello Breyner Andresen

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só pra mim.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012




Chamo-Te

Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só de Teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que não quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a Terra
Em Primavera feroz precipitado.

sábado, 9 de julho de 2011



Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua

Aqui livre sou eu - eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos

Aqui sou eu em tudo quanto amei.
Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos atos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

sábado, 26 de junho de 2010



Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

segunda-feira, 1 de junho de 2009




No ponto

No ponto onde o silêncio e a solidão
Se cruzam com a noite e com o frio,
Esperei como quem espera em vão,
Tão nítido e preciso era o vazio.

sábado, 30 de maio de 2009



Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem.

quinta-feira, 30 de abril de 2009



Devagar no jardim

Devagar no jardim a noite poisa
E o bailado dos seus passos
Liberta a minha alma dos seus laços
Como se de novo fosse criada cada coisa.

quarta-feira, 29 de abril de 2009



Pascoaes

Aqui a bruma a noite o sete-estrelo
O sussurrar de brisas e de fonte
Aqui o tempo anterior puro horizonte
O ser um com a luz a flor o monte

A terra se desvenda verso a verso
seu rosto é de pinhais sombras e mágoas
Aqui o puro emergir: luas e águas
E o antigo tempo irmão do universo