Sophia de Mello Breyner Andresen

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só pra mim.

domingo, 28 de outubro de 2007



No mar passa

No mar passa de onda em onda repetido
O meu nome fantástico e secreto
Que só os anjos do vento reconhecem
Quando os encontro e perco de repente.


Não te chamo para te conhecer
Conheço tudo à força de não ser

Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite.


Musa

Aqui me sentei quieta
Com as mãos sobre os joelhos
Quieta muda secreta
Passiva como os espelhos

Musa ensina-me o canto
Imanente e latente
Eu quero ouvir devagar
O teu súbito falar
Que me foge de repente.


Flores

Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpia e pura,
Aquela promessa antiga
De uma manhã futura.


O vazio desenhava desde sempre

O vazio desenhava desde sempre a forma do teu
rosto
Todas as coisas serviam para nos ensinar
A ardente perfeição da tua ausência.


Final

Mas na janela o ângulo intacto duma
espera
Resolve em si o dia liso.

sábado, 27 de outubro de 2007



Eu chamei-te para ser

Eu chamei-te para ser a torre
Que viste um dia branca ao pé do mar.
Chamei-te para me perder nos teus caminhos.
Chamei-te para sonhar o que sonhaste.
Chamei-te para não ser eu:
Pedi-te que apagasses
A torre que eu fui a minha vida os
sonhos que sonhei.