Sophia de Mello Breyner Andresen

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só pra mim.

segunda-feira, 1 de junho de 2009




No ponto

No ponto onde o silêncio e a solidão
Se cruzam com a noite e com o frio,
Esperei como quem espera em vão,
Tão nítido e preciso era o vazio.

sábado, 30 de maio de 2009



Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem.

quinta-feira, 30 de abril de 2009



Devagar no jardim

Devagar no jardim a noite poisa
E o bailado dos seus passos
Liberta a minha alma dos seus laços
Como se de novo fosse criada cada coisa.

quarta-feira, 29 de abril de 2009



Pascoaes

Aqui a bruma a noite o sete-estrelo
O sussurrar de brisas e de fonte
Aqui o tempo anterior puro horizonte
O ser um com a luz a flor o monte

A terra se desvenda verso a verso
seu rosto é de pinhais sombras e mágoas
Aqui o puro emergir: luas e águas
E o antigo tempo irmão do universo

segunda-feira, 27 de abril de 2009



Falamos juntos à luz. Lá fora a noite
Imóvel brilha sobre o mar parado.
À sombra das palavrs do teu rosto
Em mim se inscreve como se durasse.


sexta-feira, 24 de abril de 2009



Cá fora

Abre a porta e caminha
Cá fora
Na nitidez salina do real

domingo, 29 de março de 2009



Em Hydra, evocando Fernando Pessoa

Quando na manhã de Junho o navio ancorou em Hydra
(E foi pelo som do cabo a descer que eu soube que ancorava)
Saí da cabine e debrucei-me ávida
Sobre o rosto do real - mais preciso e mais novo do que o
imaginado
Ante a meticulosa limpidez dessa manhã num porto
Ante a meticulosa limpidez dessa manhã num porto de uma
ilha grega

Murmurei o teu nome
O teu ambíguo nome

...

O teu destino deveria ter passado neste porto
Onde tudo se torna impessoal e livre
Onde tudo é divino como convém ao real

sábado, 28 de março de 2009



Eu me perdi

Eu me perdi na sordidez de um mundo
Onde era preciso ser
Polícia agiota fariseu
Ou cocote

Eu me perdi na sordidez do mundo
Eu me salvei na limpidez da terra

Eu me busquei no vento e me encontrei no mar
E nunca
Um navio da costa se afastou
Sem me levar