Sophia de Mello Breyner Andresen

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só pra mim.

segunda-feira, 27 de abril de 2009



Falamos juntos à luz. Lá fora a noite
Imóvel brilha sobre o mar parado.
À sombra das palavrs do teu rosto
Em mim se inscreve como se durasse.


sexta-feira, 24 de abril de 2009



Cá fora

Abre a porta e caminha
Cá fora
Na nitidez salina do real

domingo, 29 de março de 2009



Em Hydra, evocando Fernando Pessoa

Quando na manhã de Junho o navio ancorou em Hydra
(E foi pelo som do cabo a descer que eu soube que ancorava)
Saí da cabine e debrucei-me ávida
Sobre o rosto do real - mais preciso e mais novo do que o
imaginado
Ante a meticulosa limpidez dessa manhã num porto
Ante a meticulosa limpidez dessa manhã num porto de uma
ilha grega

Murmurei o teu nome
O teu ambíguo nome

...

O teu destino deveria ter passado neste porto
Onde tudo se torna impessoal e livre
Onde tudo é divino como convém ao real

sábado, 28 de março de 2009



Eu me perdi

Eu me perdi na sordidez de um mundo
Onde era preciso ser
Polícia agiota fariseu
Ou cocote

Eu me perdi na sordidez do mundo
Eu me salvei na limpidez da terra

Eu me busquei no vento e me encontrei no mar
E nunca
Um navio da costa se afastou
Sem me levar

segunda-feira, 27 de outubro de 2008



Instante

Deixai-me limpo
O ar dos quartos
E liso
O branco das paredes

Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio

domingo, 20 de julho de 2008



25 de abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

quarta-feira, 16 de julho de 2008




Inventei

Inventei a dança para me disfarçar.
Ébria de solidão eu quis viver.
E cobri de gestos a nudez da minha alma
Porque eu era semelhante às paisagens esperando
E ninguém me podia entender.